Pedem-me que seja mãe, mulher, amiga, filha, companheira, trabalhadora numa qualquer empresa por aí. Não existe um único dia em que não receba um palpite sobre mim. Sobre a minha vida. Acerca das minhas escolhas. Não faz mal. Eu entendo. Faz parte. 

Mas ninguém compreende. Ninguém consegue ver através de mim. Ninguém pode ser o ventre que carregou a razão da minha vida. Duas vezes. Ninguém pode ser as mãos que agarram todos os dias a pele mais delicada, mais macia que eu alguma vez senti. Tenho a pele deles sempre na ponta dos meus dedos. Tenho cada cheiro entranhado em mim, no meu ser. Tenho os sons nos meus ouvidos. Aqueles que mais ninguém ouve. Apenas eu. São os olhares demorados. A forma como fecham os olhos. É o contorno do nariz, o sinal na perna, o remoinho no cabelo. É o sabor dos beijos dele, são os meus beijos neles que nunca terminam. Ninguém sabe quantas vezes eles enchem o peito de ar num minuto. Ninguém nunca se debruçou sobre eles e os observou a dormir durante horas. Ninguém sussurrou tantos segredos ao ouvido como eu o fiz. Não sei ser sem eles. Não foi sempre assim. Sou como uma raiz que se entranhou na terra e cresceu. Sou o colo deles sem fim, o abraço mais longo, o beijo mais molhado, o olhar mais afastado quando o mundo os chama. Sou o alimento e o consolo. Todos os minutos da vida dela. Quase todos da vida dele. São eles a minha fonte de vida. 

Não é errado quando é o que nos faz felizes. Não é errado quando é o que faz sentido no momento.  

Tenham calma. Eu tenho tempo. Eu serei sempre mulher, amiga, filha, companheira e trabalhadora. Também serei sempre mãe. Mas esta mãe jamais se irá repetir. Este momento em que eles precisam de mim para viver não se revive. Deixem-me ser mãe por inteiro. Como eu escolhi ser. Mesmo vendo cada segundo da vida deles, sinto que perdi qualquer coisa. 
Tenham calma. A cada segundo que passa eles são menos meus. E eu só quero aproveitar o máximo que eu puder.