Em épocas festivas é inevitável encontrar mesas recheadas de comida. Abuso é palavra do dia. Todos acabamos a cometer excessos e, no final, feitas as contas, o açúcar e gorduras foram definitivamente a mais. Até ter filhos, nunca me preocupei demasiado com isto, nem sequer nunca reparei muito no que outras crianças à minha volta comiam. Passei fases de excessos, felizmente depois ganhei consciência, comecei a cuidar mais de mim, a ter mais cuidado com a alimentação e reduzi drasticamente a quantidade de açúcar na alimentação e épocas como esta, eram algo dramáticas para mim porque me obrigavam a resistir heroicamente a uma centena de iguarias. Muitas vezes com sucesso, outras nem tanto.

Depois fui mãe e esta consciência só aumentou. Sei, desde o início, qual a alimentação que quero que o meu filho tenha, pelo menos enquanto for eu a decidir o que lhe ofereço como opções. Começaram cedo as discussões à volta deste tema, vem sempre alguém da família que lhe tenta oferecer uma bolacha com 6 meses ou uma colher de gelado com 10 meses. Começam a surgir as frases mais comuns “coitadinho, deixa-o só provar”, ou “é só hoje, não lhe faz mal nenhum”, ou ainda “um docinho só lhe faz bem, também precisa de experimentar”. Aceito que me digam isto, afinal, estamos todos formatados a pensar assim, a nossa comida tem sempre excesso de sal, de açúcar e gorduras. A comida dita para bebés está carregada de açúcar, basta falar em papas ou em iogurtes. Já nem fazemos contas, é só mais um danoninho, é só mais uma bolacha “não sei das quantas kids”, é só mais um leite com chocolate, é só mais um croissant, só mais uma fruta embalada porque na embalagem até diz 80% de polpa verdadeira. E assim vamos andando, todos assistimos a isto, mas viramos os olhos, pensamos “foi só hoje, ele até come bem”.

Nesta Páscoa, o Gui também abusou e, sobre mim, abate-se uma culpa enorme. Sinto-me mal comigo mesma por ter permitido. Sou eu que posso fazer escolhas por ele, se as fiz durante 23 meses, porquê começar agora a falhar? Sinto-me mais fraca por deixar que aconteça. O Gui nunca tinha comida batatas-fritas, primeiro porque em casa nunca comemos, depois porque quando havia, eu nunca lhe dava, ou seja, ele via na mesa mas não pedia. Um dia alguém lhe deu, ele provou, gostou. Agora pede sempre. Agora, mais do que nunca, evito que existam batatas-fritas por perto. Se eu não comer, ele não come, certo? O Gui nunca tinha comido um doce, um chocolate, um gelado. No natal, provou chocolate, gostou, agora pede quando vê alguém comer. O Gui nunca tinha comido bolos, croissants ou empadas. E nesta Páscoa provou, gostou e passou a estar sempre a pedir. Comeu folar. Provou doces caseiros e quis empada de frango. E entre “deixa lá, é só hoje” eu fui cedendo, compactuei com isto.

Eu sei que foi só um dia. Sei que faço os possíveis para o Gui ter as melhores escolhas em casa, faço tudo para que coma sempre fruta fresca, iogurtes sem açúcar e a menor quantidade de bolachas possível. Tenho noção que fazemos o máximo para que coma só a nossa comida, preparada em casa, com recurso ao melhor que podemos, a produtos integrais e da horta da minha avó. Sei que evito as papas da creche e as carnes que não quero que coma. Sei que lhe vou dando para o prato tudo o que acho que lhe poderá fazer melhor. Mas confesso que já foi mais fácil. Ele cresceu e pede, faz escolhas, tem vontade própria e tem dias em que não quer comer o que eu escolhi, quer as escolhas dele. Sinto que o esforço tem que ser mais nosso, nas nossas próprias escolhas em casa, não ceder, não ter em casa certos alimentos. Podemos sempre evitar tudo o resto, ele não bebe sumos, não come batatas-fritas de pacote, não come doces, gomas ou chocolates. Não come iogurtes de bebé, não come papas ou frutas embaladas. Mas essas são as fáceis, até porque fica tão mais económico comer bem, nunca percebi como se pode optar por papas industriais quando aveia é metade do preço. Mas e o resto? E os “dias que não são dias”? E as festas? Como ficam as excepções e quantas excepções existirão?

O problema é que quando nos tentamos preocupar, somos rotulados de extremistas. Mas, na realidade, estamos muito longe disso. Comemos pior. As nossas crianças comem cada vez pior, cada vez mais açúcar e processados. Estamos longe de ser extremistas, se todos fôssemos um bocadinho mais, aí sim faríamos a diferença. Não custa tentar, é por eles, para eles. Um dia, eles agradecem. A saúde deles agradece.