Olho para eles e vejo felicidade. Andam sempre sujos. Acabo de os vestir e quando olho já se conseguiram sujar com qualquer coisa. Porquê? Porque comem sozinhos. Porque pintam com marcadores e tintas. Porque andam no chão à vontade. Porque mexem e exploram tudo. Porque os deixamos ter quase tudo ao alcance. Porque acreditamos que deixá-los mexer na terra, é deixá-los viver. Ela ainda nem caminha sozinha e as sapatilhas dela já estão cheias de relva. Não nos preocupamos muito com isso. Não lhes troco a roupa constantemente se eles se sujam a brincar no parque ou a correr na lama. Levo-os para todo o lado assim. Não temos roupas caras também por essa razão. Porque eles são crianças. Porque estragam e porque prefiro que o façam, do que ter apenas fotografias bonitinhas e que não os representam. Os meus filhos não param quietos, em lado nenhum. Ele faz perguntas às pessoas, é curioso, quer saber tudo. Eles riem alto. Eles reclamam e exigem. Eles são genuínos. Acreditamos na autonomia deles. Deixamos que sejam verdadeiramente crianças. Nem sempre é fácil, mas tentamos colocar-nos no lugar deles. Não os impeço de se sujarem. Não os repreendo por andarem com as mãos no chão. Não estou constantemente a limitar a curiosidade inata deles.

No dia que tirámos esta foto, o Gui escolheu a roupa igual a ela. Estavam amorosos. Ainda tentei impedir que se sujassem mal saímos de casa. Mas contrariei-me. Porque eles só precisam correr, precisam saber que a roupa não os define. Quando os estamos sempre a repreender e a dizer que estão sujos, é apenas isso que eles retém, que isso é o mais valioso, e não é! Quando eles acabam de pegar numa pedra ou encher as mãos de terra e corremos na direcção deles a limpar, cortámos o momento de curiosidade deles e estamos a passar a mensagem errada. Quando os mudamos de roupa só porque alguém os vai ver, ou quando utilizamos expressões como “que vergonha, estás todo sujo”, estamos a passar a ideia errada que o que nos define é apenas a imagem.Muitas destas ideias começam na infância. Ainda hoje recordo o dia em que esperava por uma consulta, ainda não tinha filhos, e ouvi uma mãe que estava sentada à minha frente com a filha. Esteve o tempo todo a ralhar-lhe porque as calças estavam sujas e gastas nos joelhos, e porque ela já lhe tinha dito para se comportar como uma menina e estar sentada no recreio, sossegada.

Eles são o que são. São crianças. As crianças precisam viver, correr, apanhar terra, correr alguns riscos. As crianças sujam a roupa. Tudo se lava! E se não a podem sujar, porque é demasiado cara, se o mais importante forem uns sapatos imaculados, então somos nós que devemos repensar as prioridades, porque mesmo quando os visto com roupa “melhor”, não me importo que se sujem. Se nos encontrarem por aí, e virem os meus filhos com manchas de terra nas calças e restos de comida na camisola, não, não sou desleixada, só estou a deixá-los viver e serem livres para aprender. Só vão deixar de se sujar a comer se eu os deixar aprender. Só vão brincar livremente, se não se preocuparem com a sujidade. Só vão saber que o mais importante não é a imagem, se eu lhes mostrar que o que somos não passa pela roupa.