Tu hoje dormiste pouco de noite, filha. Ou talvez tenhas dormido, mas eu não. Sabes, agora que já passaram umas horas, consigo admitir que fui eu quem já acordou irritada. Não querias acordar. Fizeste-nos atrasar a todos. Tu nunca tens horários, culpei a minha falta de rotinas. Culpei o deixar-te fazer sempre tudo ao teu ritmo. Quando tenho pressa, por uma vez que acontece, nenhum de vocês colabora comigo. O pai saiu cedo, ficámos nós em casa. Foi difícil sair e, claro, já fomos atrasados. Tu não entendes, mas estava a chover tanto, não havia um único lugar para estacionar perto da escola, fomos deixar o mano à pressa, quase não me despedi dele e agora sinto o coração apertado. Choraste o tempo todo. Não me chegava o trânsito infernal, o caos causado pela chuva forte, não me chegava o autocarro mal parado na estrada que me fez estar à espera o que me pareceram horas, e tu atrás, a gritar, a chorar. Eu cantei, eu brinquei, eu tentei acalmar-te, meti as músicas que costumas gostar, mas nada te acalmava. Até que gritei o teu nome, alto. E isso só te fez chorar mais. Só me fez sentir pior. Não me deixaste beber café. Não me deixaste ver absolutamente nada na loja. Eu nunca vou a lojas contigo, sabes? É tão raro. A minha última opção é levar-te a um shopping, cada vez vais menos. Já corremos todos os parques da cidade, todos os jardins, todos os lagos com patos. Já fomos a bibliotecas, espaços para crianças e teatros. Levo-te a ver o mar, a mexer na areia, a apanhar flores. Estou contigo em casa e nunca me senti culpada por não te dar o que precisas, porque nunca coloco os meus planos à frente das tuas necessidades. Estou em casa contigo e tudo espera por nós. Mas, às vezes, também preciso de ir às compras. Estamos juntas nisto, filha, ficaste em casa comigo, e eu levo-te para todo o lado.

O teu choro ecoou na minha cabeça, os gritos, ver-te no chão da loja sem saber como agir. Sou mãe pela segunda vez, sei tanto sobre birras e frustração, já acalmei tantas vezes o teu irmão e hoje congelei. Talvez por seres tu, por não te conhecer esta faceta. De repente, senti que me estavas a trair. Somos uma equipa tão unida, e ali estavas tu, tão longe de mim naquele instante. Senti o meu coração disparar. Peguei em ti, saímos da loja de imediato. Tu não querias colo, não querias que eu te falasse, não querias ir para o chão, querias só gritar, um choro que eu escutei pela primeira vez.

Fomos para um lugar sossegado, recusaste mamar ainda durante uns minutos. Mas depois cedeste. Senti que te acalmavas. O meu corpo a tremer. Os teus olhos vermelhos nos meus. O teu olhar enquanto mamavas. O nosso momento. Senti-me regressar a nós, devagarinho. Voltámos a estar unidas. Deste-me a mão. Respirei fundo e deixei-te estar.

Eu sei que tudo isto faz parte. Desculpa, não estava preparada. Mas, na próxima vez, já vou estar aqui para ti. Hoje foi difícil para as duas, mas tu não tens culpa do mar de emoções que vai dentro de mim. Estamos juntas em tudo.