Numa altura em que toda a gente anda com o mundo no bolso, uma das nossas principais preocupações enquanto pais é o tempo que os nossos filhos passam em frente a um qualquer ecrã. Apesar de reconhecer a delicadeza deste assunto em discussão com outros pais, o facto de lidar diretamente com tecnologia há uns 20 anos desperta o meu interesse (obsessão) por este assunto. Se por um lado tenho uma mente bastante aberta em relação às tecnologias que o Guilherme usa, por outro preocupo-me com os exageros e possível dependência que daí podem advir.

O Guilherme sabe usar o iPad e o iPhone. Ele adora carregar em botões em todo o lado. E também não estranha o teclado do computador portátil. Há uns meses, conseguiu ativar o menu de opções da televisão, composto por uma grelha de ícones, e a primeira ideia que surgiu foi logo tentar tocar no ecrã para ver o efeito. No entanto, também adora desenhar no quadro de giz, montar torres de legos e folhear livros.

Uma evolução natural

A minha perspetiva é bastante pragmática em relação ao uso de telemóveis, tablets e computadores. É uma evolução natural. Existe um certo paralelo com a retórica que ouvimos constantemente nas notícias. Telemóveis consomem relações. Pessoas fechadas na tecnologia. Televisão a substituir baby sitters. Contudo… há 100 atrás, quem ouvisse rádio ia ficar maluco. Há 75 anos atrás quem visse demasiada televisão ficava com o cérebro derretido. Há 30 anos o uso em demasia de telemóvel tornava as pessoas burras. Hoje em dia, temos a oportunidade de fazer e saber um milhão de coisas diferentes num dispositivo que cabe no nosso bolso e isso é visto como um problema. Não é. É uma oportunidade.

Os ecrãs estão por todo o lado. É impossível fugir. Casa, cafés, hospitais, restaurantes, carros, jardim infantil. É impossível escapar. Assim, enquanto pais, e já que não podemos evitar os ecrãs, podemos pelo menos evitar a retórica do mal que os ecrãs fazem que nos acompanha desde que a televisão apareceu…

Claro que existe um aspeto negativo. Tal como há 10 anos atrás tínhamos pais que ligavam a televisão e deixavam os filhos colados ao ecrã durante horas. Agora, temos pais que dão um tablet aos filhos e eles ficam entretidos sozinhos durante horas. Mas isto é problema que atravessa gerações, avós, pais e filhos, e não está diretamente relacionado com podermos ver fotos do Hawaii no telemóvel.

Em nossa casa

Desde muito cedo que o Guilherme teve contato com o iPad e o iPhone. Na altura achámos muito estimulante para a curiosidade dele poder brincar com o ecrã do tablet. Via videos, carregava e saía de aplicações. Escolhia jogar ou fazer desenhos. Pintava, brincava ou encaixava peças. A quantidade de brincadeiras e de coisas diferentes que ele já viu através deste tipo de ecrã é incomparável ao que lhe podíamos mostrar. Com o que fomos procurando, aprendemos que o mais importante é ele conseguir transpor o que faz no ecrã de um tablet para o mundo real1. Resumidamente, tentar fazer com que os jogos e brincadeiras que ele faz no tablet, possam também ser feitas no mundo real.

Dois exemplos rápidos.

Puzzles e desenhos. Arrastar e encaixar peças é uma brincadeira engraçada que estimula a percepção das formas, a coordenação motora, a combinação mãos-olhos e a motricidade fina. Se é diferente arrastar quadrados num iPad de colocar cubos com formas numa caixa? Sim, é. Mas conseguimos fazer com que o Guilherme fizesse as duas coisas. O ambiente virtual estimula-o a aprender a fazer as mesmas coisas no quarto de brincar.

Com os desenhos igual. O Guilherme adora desenhar e fazer balões. E desenhar num iPad é excelente. Não gasta folhas, tem uma quantidade enorme de cores e consegue rapidamente apagar e voltar a fazer tudo. Não se compara a pegar no giz e escrever no quadro, mas o iPad ajudou-o sem dúvida a aprender a desenhar balões sozinho.

Honestamente, houve uma altura em que nos preocupamos com uma ligeira obsessão com o iPad. Uma fase, na altura dos 16 meses mais coisa menos coisa, o Guilherme adorava estar a ver videos do João Bébé no YouTube e a navegar pela lista interminável de videos relacionados. Como não nos parecia algo útil para o crescimento cognitivo dele, começamos a deixar o tablet arrumado mais algum tempo e a guiá-lo para outras aplicações até ele deixar de dar tanta importância. E assim lhe passou rapidamente a obsessão (mas ficou a habilidade de desbloquear o tablet e abrir o YouTube).

Regras?

Como em qualquer outra situação relacionada com a educação dos nossos filhos, existem algumas regras básicas que enquanto cuidadores e orientadores temos de tentar tornar pilares. No quarto de brincar não há tecnologia. Durante as refeições não há tecnologia. Antes de ir para a cama não há tecnologia. Obviamente que há situações excepcionais. Às vezes tiramos selfies no quarto de brincar, às vezes jantamos os três em frente à TV e às vezes vemos o Bing antes de ir dormir. As excepções não fazem mal desde que não sejam a regra e o Guilherme percebe perfeitamente que estamos a fazer algo diferente quando come no sofá em vez da cadeira.

O mais importante é manter o equilíbrio e fazer com que ele perceba que tem toda a nossa atenção enquanto jantamos em família ou quando estamos no quarto a chutar nos balões.

Além destas bases, tentamos evitar que ele esteja a mexer no tablet sozinho. Escolhemos ter apenas aplicações com alguma vertente educacional, e esforçamo-nos por tornar os desenhos e os jogos uma experiência a dois ou a três. Estar a desenhar com sons do Star Wars só pode ser divertido se estiver alguém a desenhar com ele. Tentamos não usar o iPad como uma ferramenta para o acalmar. Apesar disso poder acontecer esporadicamente num restaurante ou viagem longa, a regra é não usar o iPad para acalmar uma birra nem como recompensa após um qualquer bom comportamento.

Geração touch

Um outro aspeto interessante de ver o Guilherme a crescer com telemóveis e tablets está relacionado com a diferença de tecnologia entre usar o toque num ecrã táctil e usar teclados e/ou ratos. Para mim, um computador era uma caixa branca gigante com metros de fio e uma montanha de periféricos. Agora, uma caixinha preta com um ecrã de vidro oferece um nível de interacção nunca antes visto. Vai ser incrível perceber como vai ser esta primeira década dele e as mudanças de expectativa em relação à próxima grande evolução tecnológica. De certa forma, dá para perceber o que a geração antes da minha pensava de nós com os telemóveis…

Por estes dias…

Atualmente o Guilherme vê televisão muito esporadicamente. O Bing e o Mickey são os amigos habituais, mais recentemente, a descoberta da Ovelha Choné… É raro ouvi-lo pedir para ligar a televisão e, quando ele pede, só acontece nos minutos mortos antes do jantar estar na mesa. Quando o vê o meu telemóvel ou o da mãe simplesmente entrega-nos e diz que é do Papá ou da Mamã, respectivamente. Em refeições fora de casa levamos sempre lápis de cera e umas folhas com autocolantes, serve como diversão para 99% do tempo.

Para terminar, importa mencionar que não existe tecnologia boa ou má, o importante é saber que uso dar à tecnologia que temos ao nosso dispor. Nós não somos exemplo para ninguém, mas o racionamento equilibrado que temos tentado fazer da utilização de iPhones, iPads e computadores aqui em casa faz com que o Guilherme tanto saiba usar a aplicação do YouTube como folhear um livro, sem obsessões. E isso é o mais importante para um crescimento equilibrado.

  1. http://arstechnica.com/science/2015/09/the-ipad-and-your-kid-digital-daycare-empowering-educator-or-something-bad/ ↩︎