Às vezes quero escrever sobre os meus dias, para nunca me esquecer do que vivemos, de como eu sou agora, de como eles são, o que fazemos. Chego quase sempre ao final do dia a sentir que foi um dia preenchido, que fiz tanto, que a ela aprendeu alguma coisa nova, que ele disse algo que merece ficar registado. Depois, quando vou escrever sobre isso, começo a achar que não vale a pena, que não vai ser um texto suficientemente interessante, que ninguém vai querer ler o que fizemos. De repente, já o dia me parece, afinal, tão banal. Acordei, acordei-os, comemos torradas no sofá, vesti-me, vesti-os, fiz caretas enquanto levávamos os dentes todos juntos e eles partiram-se a rir. Ela quis vestir uma saia, depois umas calças, depois uma saia de novo. Fiz-lhe cócegas no sofá e ele ficou quase sem ar de tanto rir, pediu para eu fazer mais, pede sempre mais. Vi que estávamos atrasados e comecei a apressa-los. Ela cantou no carro, chamou por ele, pediu para ele cantar, ele não quis. Passeámos, brincámos, arrumei a casa, ela disse palavras novas, pintou os lábios com canetas, abraçou-me quando eu disse que ficava triste, riu-se muito, fez-me rir, demos abraços, pediu colo, muita maminha, almoçámos, fomos ao parque, desci o escorrega com ela porque não havia meninos no parque, fomos buscar o mano, ela dá-lhe os maiores abraços, levei-os a comer um croissant mesmo sabendo que isso não se faz, dei-lhes banho, brincámos às máquinas do tempo, o pai chegou. Os dias são assim, incrivelmente preenchidos, mas banais.

Às vezes, quando me sento no sofá no fim de os deitar, escuto o dia dele, sempre tão diferente todos os dias. Eu revejo as fotografias, conto-lhe as gracinhas que ela fez, como comeu, as peripécias, as zangas, o que eles disseram, como foi o dia. Não tenho mais para contar, e ás vezes sei que é meio patético.

Talvez ninguém queira saber os meus dias. Não salvei ninguém, não corri por todo o lado, não fechei um contrato com clientes, não vendi nada, não conheço ninguém novo, não viajei, não conversei com colegas ao almoço, não tenho cusquices, não sei grande coisa sobre o que se passou no mundo. O meu dia nunca é assim muito importante, às vezes parecem todos iguais, mas quase sempre são tão diferentes, pelo menos para mim.

Às vezes quero escrever sobre o meu dia, para não me esquecer do que vivemos, mas depois guardo só para mim e peço muito para nunca me esquecer.