Ficas doente e à medida que o teu corpo cede, também nós vamos desligando e deixamos apenas activos os motores básicos de sobrevivência. Comer, dormir, brincar, estender roupa, aspirar o chão, tomar banho. Seguimos algumas rotinas rápidas em piloto automático, tudo o resto entra em poupança de energia. O meu corpo fica meio vazio e acabo por enchê-lo de medos e histórias que nunca devem ser contadas. A única parte reconfortante destes dias, se é que existe, é que procuras sempre o meu colo para te sentires melhor. Estás tão crescido, mas parece sempre que o meu colo está ajustado às tuas medidas, continuas a encaixar-te nele de forma perfeita, como um puzzle de apenas duas peças. Passas as mãos na minha cara a descobrir-me os traços, tal como eu te faço a ti tantas vezes enquanto dormes.

Dormes quase sempre na nossa cama, doente ainda mais. Procuras sentir-te melhor num terreno que conheces, ora abraçado a mim, ora ao teu pai. Ambos os abraços de fazem sentir mais calmo e te embalam atá adormeceres. Um dia destes acordaste e quiseste que eu fosse contigo para o teu berço, ali ao lado. Porque não há espaço teu, ou espaço meu. Há um espaço nosso. Onde estamos os dois, funciona e o conforto eventualmente vem.

Hoje estás melhor. Acordaste tão melhor e em vez de abraços, tivemos saltos na cama. Venham as gargalhadas, os saltos, as traquinices habituais. Olhei-me no espelho hoje de manhã e quase não me reconheço, devem ter passado 10 dias desde a última vez que olhei para mim. Gradualmente a vida começa a girar de novo, volta a vontade de sair, de ver os amigos, de pensar noutros problemas, de ver séries e ir ao ginásio. Os motores ligam-se e está tudo preparado para deixar o modo piloto automático. Passei água na cara e preparei-me para o recomeço.