Pensei muitas vezes no início deste texto.
Reescrevi-o outras tantas.
Tinha idealizado um testemunho poético sobre a amamentação, queria muito falar dos benefícios do leite materno a longo prazo, queria muito dizer-vos que é tudo fácil, indolor e lindo, com música celeste de fundo e um sorriso apalermado na cara.
Mas teria de começar este texto com uma mentira. Com várias mentiras. Recorrentes.
E depois percebi que queria contar-vos a verdade.
A minha verdade. A bem dizer, a minha e a da Constança – a C.

O meu nome é Patrícia e amamento a C há 23 meses.
23 meses comprovados com umas olheiras até ao umbigo (que o raio da miúda não abdica dos snacks da noite) mas com um coração a transbordar de amor e de sensação de dever cumprido. Mas nem sempre foi assim. Aliás, houve momentos em que este discurso me soava absolutamente impossível de acontecer.

Durante toda a gravidez da C fui invadida pelo pânico de não conseguir amamentar. Não sei bem porquê, mas meti na cabeça que seria menos mãe, que estaria a falhar redondamente… enfim, acho que a “evangelização” que levamos durante o processo, no meu caso em particular, surtiu um efeito negativo. Entretanto, entrei em trabalho de parto às 36 semanas e fui submetida a uma cesariana de urgência pois a minha rica filha havia-se sentado e encaixado o rabiosque na minha pélvis. Lembro-me de algures a meio da intervenção ouvir uma das enfermeiras a dizer “ocitocina administrada” e de pensar que já tinha lido sobre a dificuldade em amamentar na recuperação de uma cesariana – o nosso corpo está confuso, passou por um processo anti-natura e não ativa os mecanismos próprios que o parto em si faz despoletar. Lembro-me, e é a primeira vez que o expresso, de me correr uma lágrima e de pensar que não ia conseguir. Devido a uma perda de sangue ligeiramente preocupante demorei-me um pouco mais que o habitual no bloco, quando saí, já tinha passado mais de uma hora do nascimento da minha filha e, mais uma vez, lembro-me de pensar nos benefícios do contacto pele-com-pele e da mamada na primeira hora de vida do bebé e de ficar super angustiada porque ainda agora ela tinha nascido e eu já tinha falhado. Bolas para as hormonas! Já no quarto, emocionada, exausta e expectante, recebi a visita de uma enfermeira que tinha como objetivo “pôr a miúda a mamar”. Este é o episódio mais doloroso da minha estadia na maternidade. A frieza e a crueldade da enfermeira que me calhou na rifa vão ficar para sempre tatuadas na minha memória. Naquele dia, naquela hora, naquele minuto, naquele segundo, aquela enfermeira fez-me sentir a pior mãe do mundo. Porém, incrivelmente, penso que nem se deu conta.A somar ao pormenor dos mamilos invertidos (mesmo muito enfiados para dentro, que aquilo até fazia confusão), tínhamos uma bebé prematura com 44 cm e 2.460 kg, que mal tinha percebido que já tinha nascido e queria mesmo era dormir, e uma mama tamanho XXL que me impedia, literalmente, de ver a cara da minha filha. Passámos minutos a espremerem-me a mama, a puxarem-me a mama, a forçar a abertura da boca da C… Passámos minutos, e tenham em mente que era a minha, a nossa primeira tentativa, a ouvir dizer que se tinha de ir buscar o suplemento.

Cerca de uma hora depois do meu marido ter ido para casa, levaram-me a minha filha. Assim, chegaram ao quarto, perguntaram se ela já tinha pegado e perante a minha estupefacção, simplesmente levaram-na.

E eu chorei. Muito. Presa a uma cama, sem sentir ou mexer as pernas por causa dos efeitos da anestesia, impotente, a ouvir o choro dela cada vez mais longe.

Sozinha.

Mãe Patrícia

A Patrícia é a mãe da C. Quem as conhece, sabe que estamos perante uma família rodeada de ternura e amor. A C. adora mamar, adora o colo da Mãe, e só por isso merecem ambas estar aqui no blogue a deixar-nos este maravilhoso testemunho de amor em estado líquido.