Cheguei a achar que elas, as temidas birras, seriam evitáveis. Aliás, cheguei eu mesma a evitar o termo “birra”, achando que não nos deveríamos referir a uma fase tão normal, a um momento de frustração deles, como algo tão gigante como a famosa birra. Depois percebi que era apenas a conotação errada que é atribuída a essa palavra e decidi chamar as coisas pelos nomes, são birras. Todos fazemos birras, crianças e adultos (desconfio que os adultos ganham). Eu admito que faço algumas! Tenho dias em que acordo disposta a ter um momento birra…tudo me irrita, desde a voz do locutor da rádio, ao raio da chuva que nunca mais acaba. Tenho dias em que acordo mais cansada do que fui dormir e estou rabugenta, chateada sabe-se lá com o quê e nesses dias que ninguém me apareça à frente com demasiadas chatices, porque lá virá a birra ao cimo.
E é por isso que acho natural que as crianças passem por estas chamadas birras. Há de vários tipos, em várias idades e de diferentes escalas.
Já li muito sobre birras. Já li muito sobre disciplina…uns livros focam-se mais nuns termos, outros noutros. Podemos ter formas de educar com mindfulness ou sem drama, podemos apenas conhecer melhor o que é isto da disciplina positiva. Para mim, fez todo o sentido descobrir este caminho, saber que há alternativas à educação fácil, aos castigos, aos gritos e principalmente às palmadas. Acho que lá bem no fundo quase todos os pais sentem que deveria ser de outra forma, que bater não é ideal, que gritar não traz paz de espírito…mas, por tantos motivos, nem sempre conhecemos alternativas. Ou porque sempre foi assim, ou porque vamos ouvindo o passa palavra a dizer que está na hora de educar o nosso rebento traquina, ou porque fomos nós mesmos educados assim e até somos uns adultos porreiros, ou por falta de tempo, por excesso de cansaço…tanta coisa. Lá no fundo, eu sei que a maioria de nós quer o melhor para eles.
A disciplina positiva abriu-me tantas portas. Deu-me alternativas, ajudou-me a perceber melhor o que poderá passar na cabeça dos bebés e das crianças. Fez-me respirar de alívio ao saber que certas atitudes são normais, naturais e até expectáveis no desenvolvimento normal. Acima de tudo, deu-me muitas ferramentas úteis para eu poder saber como agir nos momentos mais duros.
Mas não fez com que o Gui não tivesse momentos birra. Até aqui ele foi uma criança fácil (excepto para dormir). Eu até costumava gabar-me (só em casa, calma) que isto da DP funciona mesmo “olha só que o nosso filho nunca fez uma birra!” A verdade é que tinha momentos normais de choro, ou de frustração por querer alguma coisa impossível, mas passava-lhe relativamente rápido, bastava desviar a atenção ou explicar. A DP dá muito trabalho, e porquê? Porque não é algo imediato, não basta chegar ali, usar a estratégia de não gritar, de explicar tudo e está feito! Dá trabalho, chamemos-lhe um work in progress para a vida. Começa desde que nascem e nunca acaba. Eu sei que dá frutos, eu vejo os resultados, eu sinto-me bem em criar esta relação estável, de procurar formas alternativas de lidar com as situações mais complicadas, eu sei tudo isto. Mas há dias muito difíceis.
O Gui começou uma fase de birras. Está feliz da vida, na dele, de repente o mundo acaba e começa num choro sem fim. O motivo poderá ser a coisa mais insignificante. Não quer vestir-se, não quer comer, não quer a aveia, quer pão, afinal já quer aveia, era ele que abria a porta, não quer ir no carro, não quer lavar as mãos, quer colo, quer ir a pé, quer brincar, já não quer…enfim, já perceberam a ideia, não já?
Isto apanhou-nos desprevenidos! Ficamos sem saber muito bem como lidar com esta nova faceta, de repente, não é o mesmo Gui e são estes os momentos em que somos colocados à prova como pais. É quando temos que nos reajustar como família para encontrar de novo uma forma de lidar com esta avalanche de sentimentos do Gui. Ele precisa de nós, mais do que nunca. Precisa de sentir que o amor nunca está em causa. Tento ter isto presente em todas as refeições penosas, tento ter sempre na minha cabeça o quanto o amo mesmo quando ele está aos gritos e a atirar com a colher. De repente, o Gui que sempre comeu sozinho, deixou de querer fazê-lo. De repente, o Gui que sempre adorou andar de baloiço fica irritado e frustrado num parque, de repente o Gui que sempre quis ajudar a fazer o jantar, senta-se no chão aos gritos com um ar incompreendido. O nosso papel é ajudá-lo.
Eu tento respirar fundo, lembrar-me de tudo o que sei. Às vezes sinto-me encher, a cada grito dele, a cada espernear, sinto a minha paciência a descer devagar, sinto o coração a acelerar, as lágrimas a virem também aos meus olhos. Sinto nos olhares dos outros que devia ser capaz de o controlar. Será que sou eu? Que a culpa é nossa?
Olá, birras! Estão aí, eu aceito-vos. Não tenho medo, eu aprendo a lidar com vocês!
2018-01-25 at 13:33
O que é triste é que somos tão poucas a pensar assim. A maioria não sabe e piior, não quer mesmo saber. Ou é mesmo uma questão de dissonância cognitiva. Mas para eles nós estamos a criar meninos mimados se regras e limites… tsss… encolhe-se os ombros porque não vale a pena argumentar com a maior parte.
Eu não vivo em Portugal e não vejo o novo programa da sic, super nanny, mas li os relatos e parte-me o coração a forma como são tratadas as crianças. Os pais querem obediência cega, e nem lhes passa pela cabeça que devem aos filhos o maior respeito do mundo, justamente porque são nossos filhos. Enfim…