Aquela voz que te diz sempre que não vais ser capaz. Ou que vai ser demasiado difícil. Não sabes bem quando começaste a ouvir isto, mas já não te lembras de como era antes disso. Não é fácil quando és uma pessoa sem algo que te defina. Quando não tens um hobby como toda a gente. Quando não tens propriamente um talento para as artes, existem tantas, logo havias de ter nascido sem um pingo de jeito para nenhuma! Quando não tens uma profissão. Porque é que foste escolher tirar uma licenciatura e um mestrado num curso que não te define uma profissão? Gostas de escrever, mas tanta gente gosta. A tua vida não é perfeita, mas também não é das piores, és uma pessoa normal, sem grandes altos e baixos. Tudo à tua volta tem uma normalidade irritante. Quase como se fosse tudo demasiado monótono. Como se tudo fosse andando, sem ser bem nem mal. Nunca ninguém te disse que não eras capaz de nada, mas também nunca ninguém acreditou assim tanto que fosses capaz de qualquer coisa. É lixado quando se cresce com excesso de peso, mas pareces sempre feliz, com amigos, com namorados, com uma vida aparentemente normal. É lixado porque nem podes ser uma complexada. Não é fácil quando perdes esse peso todo, mas depois tens um filho e esse ponto da tua vida ficou lá atrás, nem foi nem deixou de ser. Mora dentro de ti todos os dias, mas deixou de ser visível, por isso, já não importa. É tramado quando nunca ninguém te cortou as asas, quando sempre te deixaram fazer escolhas, mesmo que depois fossem limitadas. Mas escolhas, são escolhas, certo? Ninguém pode ter culpa se escolhes errado. Nem sempre é assim tão simples quando te definem o teu passado e a infância feliz. Quando cresces de sorriso na cara achando que o mundo é um lugar sem problemas, porque os teus medos são ridículos e porque te ensinaram que quem vence na vida é que pensa sempre positivo. Por isso, deixas de ser negativa, pelo menos quando falas. Não é fácil quando tens planos, mas te seguram sempre ao chão. Quando queres pensar fora da caixa, mas percebes que talvez nem nunca tenha existido uma caixa. Todas as tuas ideias te escapam, e quando alguém lhes pega, dá-lhes vida e tu ficas a pensar que talvez (ainda) não fosse a tua vez. Mas depois a tua vez nunca chega.
Arriscas pouco, porque cresceste assim. E quando o fazes, a muito custo, por azar corre mal e ouves os dolorosos “eu avisei”. E acreditas, lá no fundo, que nasceste para ser a rede de todos, o amparo que tanto te agradecem, o incentivo que às vezes tanto precisam, as palavras que mudam a vida de alguém. E tu ficas apenas só com aquela vozinha de fundo.
Mas a vozinha de fundo és tu.
A voz que ouço é a minha.
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