Quando se engravida, não se gera apenas um bebé, geram-se sonhos e expectativas. No meu caso, a realidade desviou-se um bocadinho daquilo que tinha idealizado, mas nem por isso é menos perfeita.

Ninguém imagina que o rastreio bioquímico possa esconder um falso negativo, mas acontece. E aconteceu comigo. Às 30 semanas de gravidez surgiu a suspeita. Naquele dia, o médico não conseguiu ver o osso nasal. Fiz amniocentese e, ao fim de poucos dias, tive a confirmação: a minha filha tinha trissomia 21. De forma fria e distante, fui informada daquilo que ela nunca seria, nem nunca faria e da lista interminável de doenças que poderia vir a desenvolver. Numa luta contra o tempo, tivemos de decidir sobre o futuro dela. Sobre o nosso futuro.

Até ela nascer foi um sufoco. O desconhecido é assustador! Chorei tudo o que tinha que chorar. Fiz o meu luto. O luto pelos sonhos que tinha inicialmente traçado. Ninguém está preparado para ter um filho diferente. Mas as dúvidas e a dor duraram apenas até ao instante em que a tive nos braços. Hoje as lágrimas são de alegria e orgulho pela menina em que se está a tornar. Afinal, às vezes, o desconhecido também pode ser fascinante.

Aos 22 meses, é feita de capacidades e limitações como qualquer ser humano. A criança que eu achava que iria enfrentar uma série de dificuldades tem-me mostrado que é capaz de tudo. No seu tempo, ao seu ritmo. Rapidamente percebi que ela tem trissomia, mas não é a trissomia. Ela é a minha menina de olhar doce e curioso, de sorriso fácil, com as suas birras e traquinices tão suas. A menina que adora ver futebol, “ler” livros e comer pão. É isso que a define. Até pode ter traços físicos distintos, mas a essência dela não vem descrita num qualquer manual de medicina.

Não vale a pena tentar passar a ideia de que tudo é fácil, porque não é. O caminho tem sido feito de altos e baixos, muito trabalho, tempo investido, algum esforço financeiro e umas quantas frustrações. Mas no fim o que fica são as alegrias e as conquistas. Felizmente não nasceu com nenhum problema de saúde relevante. O caminhar e o falar são as grandes batalhas neste momento. Batalhas que não são apenas dela, são nossas também, porque o envolvimento dos pais na estimulação das crianças com trissomia é fundamental. Temos que ter muita disponibilidade para ela, o que se consegue com alguma ginástica familiar.

Cedo percebi que tinha que deixar as comparações de lado, sob pena de a fazer sentir frustração ou frustrar-me a mim enquanto mãe. Este tem sido o segredo para a nossa felicidade e equilíbrio. Eu sei o esforço diário que ela faz para se superar; eu sei como tem que ser paciente para suportar terapias, exames, análises e salas de espera para as consultas das várias especialidades em que tem que ser seguida; eu sei como ela é forte e, apesar de tudo isto, anda sempre de sorriso rasgado e a dizer olá a toda a gente. É por tudo isto que o meu orgulho nela não cabe nas minhas palavras!

O que menos gosto na trissomia é o facto de as pessoas ouvirem essa palavra e de imediato fazerem suposições sobre o que a minha filha será (ou não será). Se há lição que aprendi, e que gostava de partilhar, é que ela está sempre pronta a surpreender, seja pelas metas que alcança, seja pela personalidade meiga e bem vincada. Aliás, atualmente, o que mais me lembra da deficiência da minha filha são os outros. Acredito que o maior desafio de ter um filho com síndrome de Down é desconstruir os preconceitos enraizados na sociedade, que não percebe que olhares indiscretos e cochichos magoam. É fazer entender que o nosso dia-a-dia é mais desgastante e corrido, com terapias e consultas médicas, mas que apesar de tudo isso somos felizes e mais completos. E que se ela é feliz, não precisa da pena de ninguém, precisa é que a vejam com naturalidade e como criança que é. E, por favor, percebam e respeitem que se ela se manifesta de forma tão efusiva é porque não é, ainda, capaz de o fazer por palavras.

Se tenho medo do futuro? Tenho. Mas, agora que tenho outra filha com 5 meses, percebo que ter medo faz parte do ser mãe e não tenho mais medos por uma do que por outra, apenas medos diferentes. E tenho mais fé do que medo. Aprendi a acreditar nela e a acreditar em mim como mãe dela.

Aquele cromossoma extra mudou-me para sempre. Hoje sou mais paciente, mais sensível, mais atenta ao outro. Hoje acredito mais, sorrio mais e, sem dúvida, amo mais. A síndrome de Down fez-me chorar e, de seguida, renascer, melhor e mais feliz.

Obrigada, Andreia, por me dares a oportunidade de falar de trissomia, pois a informação é a única forma de vencer preconceitos e medos em torno do assunto.

Aos pais que algum dia se vejam obrigados a decidir sobre a vida de um filho com trissomia 21, só posso desejar que decidam com o coração, sem se deixar influenciar por ninguém. Essa será sempre a melhor decisão.

 

Podem seguir mais sobre a maravilhosa D. no blogue onde mãe e pai partilham alguns dos momentos da sua vida (agora a 4) – Cromossoma Extra. São histórias, lições de vida, pensamentos, alguns medos, mas acima de tudo muito amor.