Um dia o Gui vai querer comer todo o pão do mundo. Vai querer comer esse pão enquanto corre pela casa. Vai querer limpar as mãos besuntadas de manteiga no sofá, e na cama, e na porta de vidro. Um dia vou querer chegar mais cedo ao trabalho, mas ele não vai querer largar esse pão. Não vai querer calçar aquelas botas. Não lhe vai apetecer vestir o casaco amarelo.
Um dia vou finalmente conseguir deixar a minha roupa toda pronta no dia anterior, mas no dia seguinte vai chover torrencialmente e afinal vou só passar frio. Um dia o meu cabelo vai parecer indomável e vai ficar atado com um qualquer elástico, digno de quem nem em frente ao espelho passou.
Um dia vou sair de casa já atrasada, o Gui vai querer colo, vou levar a mochila dele e um pacote de fraldas num saco. O elevador vai estar avariado. O carro não vai estar na rua e vai estar a chover. O carro está na garagem e vou ter que abrir o portão com uma chave que não está no porta-chaves. Vou ligar ao marido. Ele vai dizer que trocou as chaves. Vou correr atrás do Gui pela garagem. Vou abrir o portão e meter as coisas no carro. Vou buscar o Gui e pegar nele ao colo e quando me levantar vou bater com a cabeça no portão. A minha cabeça vai sangrar. Enquanto me baixar com dores, o Gui vai bater-me com o copo de água que trouxe nas mãos na minha cabeça como quem diz “mãe, já te levantavas não?”.
Um dia vou chegar à creche, vai estar a chover, vou pegar no Gui ao colo, na mochila e no saco das fraldas e o saco vai rasgar-se e as fraldas vão cair.
Hoje foi o dia.
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