Gostava de discutir menos vezes contigo por causa de parvoíces sem grande importância, mas não é fácil, e tu sabes. Acabou a manteiga. Faltámos a uma consulta que não estava na agenda. Não estendemos a roupa…
Não dormimos há muitos meses, mas não é como naquelas fases loucas da nossa vida, é um não dormir que cansa e que nos leva as forças. Gostava de poder saber tudo sobre o teu dia no trabalho, mas normalmente acabo por me esquecer de perguntar, entre banhos, colos e mais um “mãeeeee” qualquer. Não conseguimos ter uma conversa seguida sem sermos interrompidos. Gostava de discutir menos contigo sobre compras, contas, horários, rotinas e comida. Passamos o tempo aos encontrões entre o quarto e a casa de banho, tu dás banho a um, eu vou vestindo o outro, eles chamam por nós e eu chamo por ti. Fazemos muitas perguntas um ao outro, mas não as que eu gostaria de te fazer. Era bom conseguir perguntar-te como estás, em vez de “O que vamos jantar? Quem o leva à escola? Já lhe deste o xarope?”.
Gostava de discutir menos contigo. Mas às vezes estou só rabugenta, sabes. A nossa vida fica mais difícil. Passamos todo o tempo disponível juntos, mas pouco resta para nós os dois. A nossa vida deixou de ser simples como eram as nossas sextas-feiras à noite, as idas constantes ao cinema, os jantares tardios, as manhãs na cama, os passeios em que o tempo para falar me parece agora infinito.
Há uns anos atrás, era tudo mais fácil. Não era melhor, era apenas mais simples. Éramos só nós dois. Cheios de sonhos e planos. O mundo girava à nossa volta. Eu podia ouvir-te e falávamos horas seguidas. Podíamos ser egocêntricos. Não nos apetecia discutir por parvoíces. Não estávamos enterrados em rotinas e responsabilidades.
Era mais simples. Mas nem tu nem eu trocávamos isto por nada. Este caos que nos completa. Passamos dias numa correria meio louca, mas ambos escolhemos ser pais assim. Espero que, no final, ainda tenhamos o que falar, tal como há uns anos atrás.
Por agora, restam-nos os encontrões no corredor, os olhares cúmplices, as mãos que damos enquanto eles dormem no carro, os beijos rápidos quando os tiras do banho e eu os levo para vestir, o inevitável adormecer juntos no sofá, os abraços com eles os dois sempre entre as nossas pernas.
Gostava de discutir menos contigo, mas quero que saibas que que este amor louco a quatro, nasceu quando éramos apenas dois.
2019-02-01 at 00:11
que texto lindo Andréia! Conseguiste emocionar. Retratas bem muito do que sinto hoje… E somos só 3, aqui por casa!!!