Podíamos ser nós. Podia ser a minha família. Os meus dois filhos que mal começaram agora a viver. Tenho tantos sonhos. Imagino-os pela vida fora, faço planos para nós. Vamos mudar de casa em breve, ainda estou indecisa entre a cor dos móveis novos. Escolhemos uma escola nova para o Gui e ando ansiosa a imaginar como será a adaptação. A Laura tem dois dentes a nascer. Começou agora a bater palminhas, a dizer adeus e a esconder-se. Ri-se muito. Eu digo ao Gui que em breve ela vai aprender a caminhar e depois vai brincar ainda mais com ele. Imagino-os a correrem juntos na praia. O Gui está ansioso para que cheguem as férias de verão. Vamos passar muitos dias na piscina e a rir. Quero que a Laura sinta a água fria no corpo pela primeira vez. As frases do Gui são cada mais completas. Vamos conversar tanto eu e ele. Estamos sempre a falar. Já comecei a imaginar a festa do primeiro aniversário da Laura, ela já tem quase 8 meses, o tempo voa. O próximo natal vai ser maravilhoso, a Laura já vai ser maior, vão ficar os dois tão felizes. Quais serão as primeiras palavras da Laura? Deve ser incrível ouvi-la chamar pelo Gui. Queremos andar de avião em breve, o Gui quer ver as nuvens e eu quero mostrar-lhes o nosso mundo, ou parte dele. O meu mundo são eles, mas há tanto para eles conhecerem, verem, cheirarem, tocarem, sentirem. São bebés. Com a vida pela frente. Gosto de os imaginar a crescer. A encher as mãos de terra. A andar à roda até estarem tontos. A andar de bicicleta sem rodinhas. A aprender a nadar. A aprender a ler. Gosto de os imaginar a andar de baloiço, bem alto. De os ver mergulhar no mar. Quero que eles cresçam e vivam. Que experimentem. Que façam escolhas. Um dia vão entrar na escola. Vão sentir desgostos. Vão dar um primeiro beijo. Vão amar para além do amor que sentem hoje por nós. A vida é tão curta. E, nós os pais, só queríamos que a deles fosse intensa, com direito a tudo.
Podíamos ser nós. Num minuto estamos cheios de sonhos, de vida. Num minuto estamos a ouvir as gargalhadas deles, estamos a apressá-los para almoçar, estamos a planear como será a tarde. Juntos. Felizes. No seguinte, tudo termina.
Podíamos ser nós. Podiam ser os meus filhos. Podiam ser as nossas vidas.
Este sábado, parte de todos nós ardeu também um bocadinho. Porque são estes momentos que nos relembram o quanto somos frágeis, o quanto a vida é incerta, o quanto temos mesmo que dar valor a cada instante juntos.
Não posso esquecer. Os rostos deste incêndio que já são conhecidos pairam na minha mente. Na de todos nós. Que as famílias e amigos encontrem forças para seguir. E nós, os que ficámos, que possamos dar mais valor a cada momento, a cada dia em família. Porque isto é tudo tão rápido, demasiado.
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