Esta foto foi tirada umas horas antes de o Gui ficar internado, pela segunda vez.

Acho que sempre fui daquelas pessoas que se preocupa. Tive uma gravidez calma, mas atribulada na minha cabeça. Uma gravidez onde grande parte do tempo estive assustada ou a prever o pior. As idas ao wc para confirmar se estava tudo bem, as leituras pela Internet fora que só nos mostram o pior cenário, as indecisões, o medo constante que algo corresse mal, simplesmente mal. Sempre que ouvia uma história má, o meu coração encolhia. Não me podia dar ao luxo de perder algo que já era a minha vida, parte de mim. Inocentemente, pensava que quando ele nascesse tudo passava, já cá estaria fora, eu já podia vê-lo, tocá-lo, ouvir-lhe a respiração, sentir-lhe o coração a bater, que mais poderia acontecer-lhe?

Não podia estar mais errada, obviamente. As preocupações aumentam. Existem aquelas pessoas que só pensam no lado bom, que não andam a matutar em questões que não existem, eu sou o oposto. Eu penso que se há um probabilidade de algo errado acontecer, porque não será a mim? Lembro-me nitidamente do dia em que tive consciência que ter um filho nos muda totalmente. Sim, já tinha mudado o meu corpo, a minha casa, a minha forma de pensar, os meus desejos, até alguns amigos. Mas foi naquele dia, sentada na mesa depois de ter jantado, com um Gui de 10 dias a dormir ao colo. Foi nesse momento que percebi que o sentimento por ele era mais forte do que eu poderia imaginar. Comecei a chorar e com essas lágrimas chorei o que não tinha chorado no parto, chorei o que não chorei grávida, chorei as hormonas que anda ali andavam, chorei o medo todo. Disse que não era suportável saber que aquele mini ser dependia tanto de mim, disse à minha mãe que não queria, não queria ser mãe porque era duro demais, era amar tanto que fazia doer.

Isto passou obviamente (malditas hormonas grrr), mas ficou aquele sentimento de impotência. Os dias passaram, tudo corria bem, eu era uma mãe atenta, como a maioria das mães de primeira viagem. Verificava aquelas coisas óbvias, manchas na pele, choro de dor, cocos e xixis, por aí fora. Até que um dia achei que o xixi dele não tinha sido normal, o meu coração ficou alerta, disse ao marido que desvalorizou, acabei por convencê-lo a ligar ao pediatra que também desvalorizou, mas disse para ficarmos atentos. Meia-hora depois tinha febre! O meu bebé com menos de 6 semanas estava com febre, com uns míseros 38.3 que me fizeram voar para a urgência. Pelo caminho imaginava que me iam ralhar, que me iam dizer que não podia ir assim a correr sempre que ele tivesse febre. Na minha cabeça, não iria tudo passar de um susto. Era tudo novo ali, a pediatria onde nunca tinha estado, afinal tinha que entrar sozinha, nunca tinha estado sozinha com o Gui tanto tempo. Se fosse hoje o pai tinha entrado, garantidamente. Ouvi o médico chamar, quase de imediato. Vi vários médicos observar, vi-os meter um saquinho para análises de urina, disseram-me para amamentar ao máximo e foi o que fiz, durante 1 hora o Gui mamou e eu só pensava o que poderia passar-se com ele, estava assustada. Nova análise, desta vez recolha de urina por punção, que raio quer isso dizer? Pediram-me para sair, mas eu não podia sair dali. Agarraram-no nas pernas e nos braços e espetaram uma agulha enorme na bexiga dele. O meu mundo parou, o meu choro confundia-se com o dele, só queria pegar nele de novo, dar-lhe conforto, ele mamou, parou de chorar, mas tinha sangue no olho de esforço, doía-me a alma. E doeu muitas vezes nos dias seguintes, sempre que era necessário meter o cateter, picá-lo, magoá-lo. Mandaram o pai entrar, ouvimos que tinha infecção urinária, nada grave, mas que ficaria internado. Foi nessa noite, com o Gui sempre a dormir em cima do meu peito, sozinha num sofá num quarto de internamento, a tremer de frio e nervosismo,  que eu entendi um outro lado de ser mãe. Foram 7 dias em que nos tornámos mais fortes, unidos. O Gui ficou bem logo ao segundo dia, tudo graças ao excesso de zelo. Ir a correr nem sempre é mau. Infecção urinária nas crianças é muito comum, mas deixa sequelas rapidamente.

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Gui 6 semanas

Fomos para casa e na minha cabeça ficaram algumas imagens que vi no hospital, o desespero de pais em situações piores que a nossa. Agradeci ter sido apenas uma infecção, sofri pelos pais que não têm essa sorte. A culpa também ganhou terreno, por muito que os médicos nos explicassem que não, pensámos no que podíamos ter feito errado e muita gente nos questionou porquê, o que não ajuda. Muitos quiseram ajudar e dar dicas que acabam por nos fazer sentir ainda mais culpadas, qual a mãe que não sente culpa?

A nossa vida retomou a normalidade, os meses passaram, o Gui estava bem, feliz, mamava bem, era sorridente, não tinha aparentemente sequelas. Mas eu era uma mãe ainda mais atenta, com mais medo de passar pelo mesmo.

Veio a creche e com ela também chegaram os dias piores, a primeira bronquiolite, a segunda, a terceira,… Entre cada uma delas não havia nada que indicasse que ele tinha melhorado. Eram as febres constantes, as nebulizações, as idas frequentes à urgência, eram as palavras dos pediatras “está tudo bem mãe, isto é normal”, mas para uma mãe aquilo não é normal. Noites longas, muito colo, muita cama partilhada, muitas directas a vigiar o sono dele. O cansaço apoderou-se, a minha mãe veio muitas e muitas vezes ajudar-nos. Os meses passaram. O Gui melhorava, mas pouco. A boa disposição dele era o nosso ânimo, o crescimento dele era o indicador positivo que nos mostravam sempre. Mas o meu coração andava apertado. Depois de algumas novas idas à urgência, febre que não baixava, dificuldade respiratória aumentada, vieram as saturações baixas, o maldito VSR e o direito a uma nova estadia no internamento. Novamente. Pensei uma vez mais nos pais para quem isto é uma realidade constante, diária. Nos pais para os quais o hospital é uma segunda casa. Voltei a sofrer por nós, por esses pais. Tentava não ser injusta, mas pensava porquê a nós? Duas vezes!

Este internamento doeu mais, o Gui não comia, levou oxigénio e estávamos em isolamento, sem visitas. No primeiro dia o Gui não se mexia quase, dormia o tempo todo, e eu podia ouvir os gemidos dele que me esmagavam por dentro. Passei o tempo animada, a pegar nele vezes sem conta. Pediam-me que o deitasse na cama dele, que não dormisse com ele ao colo, que não me deitasse nunca ao lado dele. Diziam que era para o bem dele. Cansei-me do hospital, dessas palavras, daquele espaço. Fiquei noites em branco a seguir atentamente as saturações dele. Ele melhorou, mais uma vez surpreendeu-nos, dois dias depois estava animado, a explorar o mundo, a comer melhor. E é nesse momento que o nosso coração volta a bater com força, que o sangue nos volta a encher as veias, que o sorriso volta e que todas as horas sem dormir deixam de importar. Está tudo bem, vamos para casa e tudo fica bem.

Ninguém entenderá nunca o que se sente, porque cada mãe é única, cada família é uma só, não conseguimos nunca ver inteiramente o que os outros vivem. À nossa volta todos eram solidários com o cansaço que estávamos a viver, todos queriam ver o Gui melhor, mas muito poucos entendiam ao ponto a que este cansaço pode chegar, e o que representam 2 internamentos em 9 meses. Para alguns pais espalhados por esse mundo fora, isto é o injusto e pesado dia-a-dia. Esses pais são verdadeiros heróis, somos todos, mas há pais que tiveram que descobrir esse super poder que todos temos escondido e que esperamos que nunca seja preciso.

 

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Não consigo evitar andar angustiada estes dias de janeiro, pensei que nem me iria recordar, mas a verdade é que desde que começou o ano que tenho aquela sensação de coração apertado, de recordar que há precisamente um ano atrás estes estavam a ser os piores dias que poderíamos viver. Não posso adivinhar quantos mais dias negros virão. Mas sei agora, com toda a certeza, que os vamos viver muito unidos, que todos estes momentos maus, nos tornam mais fortes, não é apenas um cliché. Sei que viver estes dias, faz com que nos possamos lembrar de agradecer os outros, os bons.

Ontem estava a ser um dia mau, um dia em que dei por mim a reclamar de banalidades…e de imediato me recordei do que estava a viver há um ano atrás e hoje acordei feliz, bem disposta, enchi o Gui de beijos. Porque hoje ele está aqui, está bem, está aparentemente saudável, e isto merece ser celebrado diariamente.